Nas vastas planícies, onde o verde das matas se mistura com o dourado das lavouras, algo tão nobre quanto produzir alimento floresce a cada dia no campo. A experiência de quem planta, cria e cuida, está transformando o agronegócio de maneira inclusiva e sustentável, além das porteiras.
O Núcleo Feminino do Agronegócio (NFA), nascido pelo anseio de pertencimento e reconhecimento, tornou-se a força que faltava para que novas vozes ecoassem pelo Brasil. Fundado em 2010, o NFA é o reflexo de uma jornada de representatividade e poder de decisão em um setor historicamente dominado por homens. Uma missão de mulheres visionárias, que estão à frente de propriedades, empresas e mídias – exemplos de líderes
e gestoras.
A força que une essas mulheres foi ganhando forma durante eventos anuais do setor, como a Feicorte, um dos maiores e mais tradicionais eventos da pecuária de corte no Brasil. Ali, entre uma conversa e outra, a zootecnista Maria Cristina Tupinambá Bertelli, a pecuarista Carla de Freitas – precursoras desse projeto -, e tantas outras começaram a traçar os primeiros esboços do que viria a ser uma nova página da história do setor agropecuário. Não se tratava apenas de trocar experiências, mas sim de construir algo muito maior: uma rede de apoio e transformação. Algo singular, mas ao mesmo tempo plural, que levaria a centenas de mulheres um ambiente amistoso e acolhedor para o conhecimento e troca de experiências.
A ideia genial logo chegou aos ouvidos de quem também compartilha do desejo de mudança. O economista Francisco Vila, com sua visão aguçada, percebeu o potencial que nascia nos encontros informais dessas mulheres e incentivou-as a formalizarem as reuniões em algo mais organizado e estruturado. O alemão de pensamento lógico e criativo, compreendia a necessidade daquele grupo florescer, algo que iria além de boas intenções.
Elas precisam de estrutura, direção e, acima de tudo, propósito. Um conselho simples, ao mesmo tempo visionário, que alimentou a ideia da criação do Núcleo Feminino do Agronegócio.
A primeira reunião oficial do NFA aconteceu na casa de uma das participantes, onde foi redigida a ata que oficializou o núcleo. Com a adesão de outras mulheres, como Maristela Damha e Rosalu Fladt, o grupo começou a crescer e frutificar. Foi então que os encontros passaram a ser na Sociedade Rural Brasileira (SRB), localizada na capital paulista.
O ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, um dos maiores expoentes do agronegócio no Brasil, rapidamente assumiu o papel de mentor estratégico do NFA. Ele compreendeu o potencial transformador do grupo e sugeriu que as reuniões fossem realizadas na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Um prédio icônico na Avenida Paulista, de arquitetura brutalista, com uma imponente fachada preta e formato piramidal, um verdadeiro cartão-postal da cidade.
Além da influência no setor, o edifício é conhecido por seu interior de móveis robustos e rústicos, decorado com quadros que retratam marcos históricos, incluindo ex presidentes e figuras políticas importantes. Nesse ambiente tradicionalmente masculino, as vozes femininas do NFA começaram a reverberar por aquelas salas, em um contraste gritante. Era o início de um novo capítulo escrito por elas, em que a liderança feminina imprimia uma marca no agronegócio. A primeira associação oficial de mulheres do setor.
A partir desse momento, o NFA se consolidou como uma referência nacional. Não apenas pelas mulheres que o compunham, mas pela força de suas ações. Em pouco tempo, o Núcleo tornou-se um farol para muitas outras mulheres que, de norte a sul do Brasil, encontraram ali um espaço de acolhimento, aprendizado, crescimento e comunicação. A voz feminina no agronegócio finalmente encontrava eco.
Com reuniões mensais que se tornaram o ponto de encontro para debates sobre temas prioritários, o NFA trouxe para as participantes um novo horizonte. Não eram apenas mulheres de diferentes culturas e regiões compartilhando experiências, mas também especialistas em áreas cruciais para o desenvolvimento do agronegócio. Cada encontro era uma imersão em conhecimento, em novas perspectivas, onde o futuro do setor era moldado com base na inovação, sustentabilidade e tecnologia.
Os temas discutidos pelo NFA sempre foram vastos e profundos. Desde as exigências relacionadas à gestão de propriedades até questões complexas, como os desafios climáticos, o bem-estar animal e as inovações tecnológicas que impactam o setor. O NFA tornou-se o espaço onde essas mulheres não apenas aprendem, mas também ensinam, contribuindo para a evolução do agronegócio como um todo – um reforço imensurável para a comunicação do setor.
A presença dessas mulheres no universo agropecuário é algo que se reflete em números significativos. Atualmente, a administração feminina está presente em pelo menos 30 milhões de hectares, algo em torno de 8,4% da área total ocupada pelos estabelecimentos rurais no Brasil. Entretanto, a luta por mais equidade ainda continua, uma vez que elas representam 16,2% do trabalho no agronegócio. O Censo Agropecuário de 2017, realizado pelo IBGE, indica que 19% dos estabelecimentos rurais no Brasil são dirigidos por mulheres, seja de forma individual ou compartilhada, são aproximadamente 1,7 milhão de mulheres à frente de propriedades. Um avanço em relação aos 13% registrados uma década antes, mas que ainda revela a necessidade de ampliar a presença feminina no campo.
O impacto do NFA transcende as reuniões e projetos internos, afinal tem missão dar voz e criar caminhos para a comunicação. Uma das maiores contribuições do Núcleo para o agronegócio brasileiro foi a participação essencial no Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, que rapidamente se tornou um dos mais importantes eventos do setor. Esse congresso, que reúne milhares de mulheres de diferentes segmentos do agro, é um espaço de fortalecimento, troca de ideias e construção de novas lideranças.
O Congresso não apenas celebra as conquistas femininas no setor, mas também projeta o futuro, com debates sobre inovação, sustentabilidade e a importância da presença feminina em todas as esferas do agronegócio. Uma
forma de unir os homens que compreendem essas pautas, criando um ambiente equilibrado e de soluções eficientes.
Nessa história que beira duas décadas, o NFA, não se limitou à gestão de propriedades ou à discussão de desafios econômicos. Mas vestiu a camisa da educação e na formação dos jovens. O projeto “De Olho no Material Escolar”, uma iniciativa que trouxe às instituições de ensino um olhar criterioso, revisando os materiais didáticos utilizados nas escolas brasileiras, coibindo a desinformação e garantindo que o conhecimento transmitido às futuras gerações esteja alinhado com a realidade do campo. Uma tarefa curiosa, já que a figura materna está entrelaçada à educação. Um sentimento mútuo de preocupação compartilhado no NFA.
Um alicerce sobre o qual se constrói um país mais produtivo, justo e igualitário está na formação cultural. Esse projeto, que tem notoriedade nacional, carrega o legado de construir um futuro melhor. Ao garantir que crianças e jovens tenham acesso a um material didático de qualidade. Também é uma forma de semear a comunicação, para que as gerações entendam e valorizem o agronegócio como parte fundamental da economia e da vida no Brasil.
O olhar feminino no agronegócio é singular e profundo, vai além das cifras e das metas de produção; é um olhar que reconhece o valor da vida em todas as suas formas, seja ela a vida dos animais, da terra ou daqueles que estão em volta. Há uma sensibilidade latente que, somada à competência técnica, transforma a relação com o solo, com o meio ambiente e com as gerações futuras. O compromisso dessas mulheres com o bem-estar animal, a preservação ambiental e a responsabilidade social são a base de uma visão holística, onde o crescimento econômico anda de mãos dadas com a sustentabilidade.
Dentro no NFA, projetos de manejo que valorizam a dignidade dos animais, como a eliminação da marcação a fogo, e técnicas de confinamento humanizado ganharam espaço. Produzir de forma responsável é, para elas,
uma extensão do respeito que têm por si mesmas e pelas futuras gerações.
O respeito pela natureza, pelos seus ciclos é inerente de quem foi agraciada para gerar uma vida, uma consciência mútua daquelas que estão gerindo grandes propriedades agrícolas; cuidando de algo muito maior – o futuro.
Ouvir e conversar com essas lideranças no agro não é apenas um conhecimento profundo sobre eficiência produtiva, mas sobre construir um novo paradigma — onde a produtividade e a sustentabilidade caminham
juntas. Algo que torna o NFA uma força transformadora no agronegócio brasileiro.
Ao longo de quase duas décadas, o NFA tornou-se muito mais do que um espaço de compartilhamento de experiências ou de apoio mútuo. Ele consolidou-se como uma rede de transformação poderosa e, talvez mais
importante, como uma plataforma de inovação social. Cada projeto desenvolvido, prática implementada, reunião realizada carrega consigo o propósito de romper as barreiras do tempo e construir um futuro mais equilibrado, onde as tradições do campo se encontram com a inovação sustentável.
O Núcleo Feminino do Agronegócio não para, assim como a força motriz que é uma mola propulsora da economia do Brasil. O NFA se renova a cada ciclo, safra ou novo encontro. Em alguns minutos de conversa, é possível compreender que essa associação é uma escola de vida, um espaço democrático de conhecimentos que reforça as conexões, em que as raízes se tornam mais profundas. Um ambiente de apoio, inspiração e coragem para liderar mudanças que vão muito além das próprias fazendas e negócios.
Como as próprias integrantes do NFA definem essa jornada:
“Ser uma mulher do agro do NFA, enfrentar os desafios com coragem, liderando com visão e gestão e acreditando que a força que nos une é incrível e transformadora. ”
(Anna Cecília Lancsarics, “Tita”, pecuarista especializada em melhoramento genético)
“É como se fosse um filho para mim. Ele é o meu filho, sabe? Eu criei um filho e vi que esse filho está crescendo e que as pessoas respeitam. Eu acho que o maior medo que a gente tem quando cria um grupo de mulheres é como as pessoas vão ver a gente. ”
(Carla de Freitas, pecuarista, idealizadora do NFA)
“NFA para mim é um grupo de muito apoio emocional e profissional. Nós criamos grandes amizades. Sinto que a gente se desenvolve juntas, como profissional, mulher e ‘mulher no campo’. A gente acompanha esse desenvolvimento de cada uma e isso é muito forte. ”
(Carmen Perez, pecuarista, especialista em bem-estar animal)
“Esse olhar delicado, mas ao mesmo tempo forte, que eu acho que é o que faz a mulher do NFA diferente. Líderes naquilo que fazem, mas sem vergonha de dizer ‘não sei’ e estou aqui para aprender e trocar experiências. E curiosas! Acho que é uma tônica das mulheres do NFA.”
(Eliane Massari, produtora de grãos, especializada em agricultura de precisão e regenerativa)
“Acredito que essa união do grupo não para por aqui. Realmente uma escola, com muita credibilidade. Eu vejo isso só aumentando nas posições de liderança do agronegócio brasileiro no futuro. ”
(Letícia Jacintho, produtora rural e presidente do De Olho no Material Escolar)
“Ser associada ao NFA é um posicionamento de muita honra e muito orgulho! Um segurança incrível de seguir adiante com os nossos projetos, sabendo que sempre conosco teremos apoio, troca de ideias e que encontraremos soluções juntas. ”
(Maria Antonieta Guazzelli, produtora de café, leite, cereais e eucalipto)
“Inspiração, amizade, muito amor e conhecimento. Porque tem essas mulheres incríveis que a gente vê no dia a dia evoluindo cada vez mais, se despontando no seu negócio com características totalmente diferentes”
(Maria Cristina Tupinambá Bertelli, zootecnista e diretora-executiva dos canais Terraviva e AgroMais, do grupo Bandeirantes, Idealizadora do NFA)
” Sinto muito orgulho de fazer parte da primeira associação oficial de mulheres que atuam no setor agropecuário – gestoras, produtoras, com vasta experiência nos negócios e uma visão macro de toda a cadeia produtiva. ”
(Regina Margarido, produtora de cana, soja, teca, eucalipto e da Cachaça Margô)
“Devo muito ao NFA. Foi a força deste grupo que me encorajou a tomar atitudes positivas em relação à produção de animais, o manejo e a organização. Todo grupo de troca de experiências é sempre uma dádiva, pois é nele que florescem as ideias e determina o futuro de tantas participantes.”
(Rosalu Fladt Queiroz , pecuarista de gado simental PO e cruzamento industrial)
“Uma visão feminina, para uma área que era muito masculina e nesse sentido a gente complementa junto com os homens para um agro melhor e mais responsável e de sucesso. ”
(Silvia Morgulis, médica veterinária, pecuarista especializa em cruzamento industrial)
Comunicação e Agronegócio: Propósito e Impactos – Volume 2
Organizadora: Marlene Marchiori
Colaborador Pedro Costa