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Foco, Iniciativa e Muito Trabalho

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A história do NFA, Núcleo Feminino do Agronegócio, mostra que é deste aço que são forjadas muitas produtoras rurais espalhadas por todo Brasil

Bem, elas não estão tão espalhadas assim, porque se unem por laços bastante definidos, como promover a troca de informações e experiências profissionais, com o intuito de aprimorar e fortalecer os processos dentro das propriedades, buscam, juntas, as soluções para os desafios do dia a dia, sempre ligadas nas atualizações desse intenso universo do agronegócio.  

O interessante ao se relatar o início, a formação desse grupo de mulheres que agora completa dez anos de existência, é perceber quanto diferencial pode haver numa mesma ideia de origem tão simples e objetiva. Aquela velha história: Não sabia que era impossível, fui lá e fiz!

O NFA foi o primeiro grupo de mulheres a ter projeção nacional – fora de cooperativas – o pioneiro, composto por mulheres executivas, produtoras, e que visa o incentivo ao estudo, ao melhor uso das ferramentas para as gestões das propriedades numa macro visão do agronegócio. E, ao mesmo tempo, um grupo voltado à ideia de ajudar mulheres a desenvolverem seus trabalhos de tecnologia dentro das fazendas. 

Quem nos conta como tudo começou é a pecuarista Carla de Freitas, a primeira presidente do NFA. Suas ligações com o campo e o agronegócio iniciaram muito cedo. Seu pai, agricultor no Paraná, lidava com café. Na década de 70 mudou-se do Sul para região Norte do Brasil, em Rondônia. Alguns anos depois, Carla e seu marido também foram morar em Rondônia e lá ela montou uma ótica. Abriu sua primeira loja por volta de 1981 e logo estava gerenciando quatros lojas, uma rede que se mantém aos seus cuidados até hoje. Com o falecimento do pai, Carla assumiu a fazenda. “Meu pai era um grande produtor rural, e havia começado a mexer com gado. Por um período de três anos, meu marido me auxiliou na parte administrativa. Em 2000 nos divorciamos e eu assumi a fazenda sozinha. Foi um grande desafio. Propriedade grande, pouco dinheiro, problemas administrativos, de gerência”, lembra.

O pai de Carla realizava um trabalho muito bem feito com gado Nelore, nos sistemas de cria, recria e engorda e inseminação artificial. Quando ela assumiu a propriedade, se deu conta do desafio gigante que estava sob sua responsabilidade. “Fui trabalhar em Rondônia. Nunca pensei que iria administrar uma propriedade rural. Eu era filha de fazendeiro, mas nunca tinha trabalhado sozinha, administrando. Peguei a fazenda já com um certo nível de tecnologia. Isso foi em 1997, e achei que seria interessante continuar esse trabalho desenvolvido por meu pai. Em 2001, resolvi trilhar o caminho de melhoramentos do gado, a inseminação e a participar do Nelore Natural. O Carlos Viacava, então presidente da Associação do Nelore, incentivou os pecuaristas, especialmente os de Rondônia, a que começassem um trabalho de medição de carcaça, de qualidade de Selo, uma coisa que no Brasil era muito novo, e a Fazenda Bela Vista fez o primeiro Dia de Campo, participou do primeiro abate técnico e ganhamos dois prêmios. Senti que era o momento de transformar meu negócio numa pecuária mais tecnológica, mais evoluída. Na época, eu não entendia absolutamente nada de fazenda e contei com a ajuda de um consultor, Dr. Fernando Andrade, que até hoje trabalha comigo, e fui buscar informações. Comecei a contratar pessoas e a Fazenda Bela Vista ingressou num trabalho intenso de inseminação, com cruzamento industrial, de aprimoramento nas carcaças. Hoje, basicamente, tenho minha vacada Nelore e faço o IATF (inseminação com tempo fixo) com gado europeu. Assim eu consigo bezerros mais pesados, mais precoces. E por volta de 2005, além da cria, recria e engorda, introduzi dentro da fazenda técnicas mais modernas de agricultura, com a integração lavoura/pecuária”.

O mundo do agronegócio está em constante transformação, pede avanço dia a dia, e inserida nesse contexto, como gestora de uma grande fazenda, Carla começou a mensurar tudo isso, utilizando-se de ferramentas para melhor administrar os avanços. “Há uns 10 anos, resolvi que eu gostaria de ampliar os processos da Fazenda Bela Vista, porque ela deveria dar um salto ainda maior, muito mais tecnológico. E foi nesse momento que contratei um especialista que me alertou sobre um trabalho muito sério, com a intensificação da fazenda, trazendo a lavoura. Parti então para a técnica de integração lavoura e pecuária, e nesse projeto, quem me ajudou muito foi o Dr. Antônio Carcher”. 

Com a nova iniciativa, vieram também exigências práticas, a necessidade de fazer todo o treinamento das pessoas, que cuidavam de boi e de repente passaram a ter que trabalhar com a agricultura intensificada. Crescemos bastante, iniciamos confinamentos e plantio de soja, de milho. Para mim foi muito difícil, porque faltava a informação. Agora estou com um filho meu, que veio trabalhar comigo e começamos a nos preparar para esse segundo momento”.

No início de sua gestão, quando os filhos de Carla estavam indo estudar em São Paulo, ela resolveu que iria junto para acompanhá-los. Chegando lá, pensou imediatamente que precisava ter alguma atividade. Acostumada a trabalhar o dia inteiro, dividindo seu tempo entre as lojas e a fazenda, não queria ficar com um tempo ocioso. Assim, procurou captar informações em todos os lugares possíveis, frequentando eventos, cursos, simpósios, congressos, e estreitou seus contatos com pessoas voltadas ao agronegócio. “Um dia, quando estava na Sociedade Rural Brasileira, me encontrei com o Francisco Vila, um dos nossos coordenadores, e com a Cristina Bertelli. Estávamos então discutindo, e eu dizia que nós deveríamos fazer um congresso de mulheres. Já havia participado de um grupo de mulheres empresárias, em Londrina (PR), e lá havia sugerido que fizéssemos um congresso só de mulheres. Naquela ocasião, minha ideia não surtiu muito efeito. Em São Paulo, voltei a esse assunto. Coloquei então a questão que foi abraçada com atenção e interesse pelo Vila e pela Cristina, que  sugeriram que nós poderíamos criar um grupo de mulheres, onde pudéssemos trocar informações. A ideia estava lançada, nascia ali o Núcleo Feminino do Agronegócio, um espaço para as produtoras rurais, essas mulheres que, como eu, tocam suas fazendas sozinhas há muitos anos, um ambiente de intercâmbio, de estudo, com participação em debates, algo que envolvesse o agronegócio, as fazendas.”

Foram então delineadas as bases desse pequeno núcleo, que teria de ser muito direcionado a tratar dos assuntos relacionados ao agronegócio. Carla expôs as dificuldades em seu começo, lembrando a ‘falta de voz’ que sentia quando alguém chegava na propriedade e procurava o gerente ou com ex-marido, não acreditando que era uma mulher quem estava à frente dos negócios. Ou nas vezes em que estava num ambiente masculino, e quando começa a falar, as pessoas realmente achavam uma piada.

“Acredito que o nosso grupo seja o pioneiro, de mulheres executivas, produtoras, voltado a ajudá-las dentro do agronegócio, a estudar o que vem a ser essa questão de gestão, quais são as ferramentas que fazem com que as pessoas consigam desenvolver esse trabalho de tecnologia dentro de fazendas.”

Logo na sequência, mais duas pessoas foram chamadas, a Maristela Dama e a Rosalu Fladt Queiroz. “Começamos com pequenas reuniões, uma vez por mês, que é o que acontece até hoje, e resolvemos formalizar. Fiquei então como a presidente, a minha vice foi a Rosalu Fladt Queiroz, e mais a Cristina Bertelli. Começamos a convidar mulheres e a explicar que esse grupo não tinha nenhuma finalidade filantrópica, que não se tratava de um grupo social ou religioso, e que a gente também só aceitaria mulheres que realmente trabalhassem com a fazenda, para que pudéssemos trocar informações de negócios, da lida diária de uma fazenda. Foi elaborado um estatuto, com a valiosa cooperação das executivas Carmen Perez e Regina Margarido, a princípio muito informal, porém, quando as pessoas começaram a conhecer e o grupo e ele foi aumentando, vimos que estavam se espelhando para formar outros grupos. Daí a necessidade de formalizar o grupo, para que tivéssemos voz. Na verdade, a gente quer ter voz, mas sem entrar na questão política, diferente de outros coletivos que possuem um viés econômico, político. O NFA foi composto tão somente para ajudar mulheres, para desenvolver a parte do estudo sobre o agronegócio, para ficar ao lado delas, muitas vezes nos momentos mais difíceis de suas vidas profissionais. Nosso maior desejo é que outros tantos grupos se formem e que possam auxiliar um número cada vez maior de mulheres. De certa forma, nosso grupo mostrou que era possível ingressar nesse caminho. Ficamos satisfeitas em ver que, a seguir, com a idealização de José Luiz Tejon, foi criado o Congresso de Mulheres, meio que espelhado no nosso primeiro passo, que foi poder incentivar tantas outras mulheres a se unirem, a proporcionar apoio entre a gente.”

A dinâmica do grupo é bastante focada e interessante. Elas discutem e averiguam os problemas e soluções que estão ocorrendo com a propriedade de cada uma, levantando temas relevantes dentro do processo de trabalho, debatem as mais recentes exigências relacionadas à atividade agropecuária, promovem palestras, convidando especialistas para esclarecer dúvidas e se atualizar em diversos temas.

O NFA mantém com muita clareza seus valores e suas missões. “A meta é trazer mulheres para dentro desses valores que tanto nos auxiliam e estender isso a muito mais mulheres, divulgando e compartilhando nossas atividade e conquistas”.

O Núcleo formado por executivas de vários estados do país, gestoras de pequenas, médias e grandes propriedades. E, segundo Carla de Freitas, “não interessa o tamanho da propriedade, mas o que essa mulher faz e como ela trabalha”.

Para Carla, a principal conquista foi retirar o preconceito de que poderia existir um grupo nesses moldes e que ele seria respeitado como o Núcleo Feminino é hoje. É realmente uma vitória, a quebra de um paradigma, mostrar para o Brasil todo que existem mulheres que estão realmente trabalhando, e trabalhando sério. É muito importante saber que podemos ser fonte inspiradora, que estamos ajudando outros grupos de mulheres que estão hoje trabalhando no país. O NFA foi um dos principais grupos que incentivou o Congresso de Mulheres. Estivemos sempre ali, fiz palestras nos dois primeiros anos, realizamos nossas reuniões do Núcleo dentro da FIESP, o que se traduz numa conquista de respeitabilidade. Um dos pontos mais essenciais que denotam conquista é enxergar que há admiração entre nós, que nos sabemos capazes e que estamos sendo ouvidas. 

Comemoramos os 10 anos do Núcleo fazendo uma visita técnica em Israel. Fomos recebidas pelo Consulado, conhecemos o país todo. Essa é realmente uma grande conquista, não somente para o grupo, mas para a mulher que empreende, para a mulher que está à frente desse trabalho. E é importante ressaltar que foi um trabalho de muitas mulheres, que seguiram como presidentes do Núcleo. E que seguiram essa ideia, essa linha original proposta e tornaram esse grupo tão respeitado. Depois de mim tivéssemos grandes mulheres, grandes presidentes e que até hoje continuam esse trabalho tão intenso.

Se eu conversasse hoje com uma pessoa que está ingressando nesse setor, diria: Em primeiro lugar, procure se informar, se ligar a grupos, escutar palestras, conversar com pessoas, estudar. Há tanta coisa acontecendo no agronegócio, o produtor rural no Brasil se elevou a um patamar incrível. Somos os maiores produtores de carne, de soja e de tantos outros, somos exportadores, porque temos uma tecnologia, temos gente super trabalhadora. Eu diria para essa mulher, vá se informar, se ligue a grupos como o NFA, que você terá mulheres que irão te ajudar.”

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